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FICÇÃO RELÂMPAGO | ALÉM DAS ESTRELAS

Por Bárbara Sobral •
domingo, 9 de junho de 2019




ALÉM DAS ESTRELAS


Por Bárbara Herdy

O que me levou às estrelas foi não saber o que eu encontraria além delas. Asteroides, constelações, estrelas, planetas, galáxias. As possibilidades eram infinitas como meu desejo de desvendá-las. Tornei-me, naturalmente, uma desvendadora das estrelas. Estudava estrelas e o que existia de informação coletado através das décadas sobre os planetas e galáxias estudados pelos humanos. Eu não tive dúvidas do meu destino, mas desconhecia a minha jornada. 

— Aqui é Lisbeth, segunda no comando da nave Pandora. Seguíamos para o quadrante gama 9 em nossa missão de reconhecimento do planeta Perseus quando nossas coordenadas desligaram e não conseguimos mais acesso ao nosso mapa. Em poucas horas a nossa equipe adoeceu pouco a pouco com sintomas de sangramento ocular e nasal, dores abdominais, de cabeça, fraqueza. A parte mecânica da nave começou a ter problemas. Perdemos a operações e ficamos ilhados no meio do quadrante 6 ou 7. A contaminação espalhou rapidamente pela nave e isolamos os doentes na enfermaria. O tenente de engenharia, Vac mostrou sinais de agressividade e atacou cinco colegas. Precisamos colocá-lo em quarentena. Isso não resolveu. Toda equipe médica foi contaminada, como também das operações, defesa, pesquisa e… quem não está contaminado, morreu. Como a Capitã Lailara. A área G da nave encontra-se lacrada com os últimos sobreviventes contaminados. Eu sou a única livre da contaminação. Por ora. — Houve uma interferência e busquei pelas ondas do sinal, precisava garantir sua estabilidade para prosseguir e libertei o ar pelos lábios ao encontrar o sistema ainda funcionando. — Minhas provisões estão esgotando. Sem o funcionamento das operações eu não posso colocar a nave para continuar o trajeto. Tentei manualmente, mas não tive sucesso. Aguardo instruções. 

Desligando.

O botão afundou macio e apitou estridente ao toque do meu indicador. Dessa vez eu me encontrava preparada para o rasgar do seu som em meus ouvidos. Era a terceira vez que conseguia conectar a rede da linha de comunicação e enviava aquela mensagem para algum lugar na galáxia. Era a terceira vez que o silêncio me respondia impiedosamente. O seu sinal poderia ser interceptado nos quadrantes pares e a base principal a um ângulo de 90 graus do sol e da Terra poderia receber minha mensagem em, no máximo, um ano terrestre. Eu tinha provisórias para menos tempo do que isso. Eu podia me arranjar. Minha preocupação ainda era a sala de contenção. Uma hora as energias deles caíram e os socos e pontapés acabariam entregando a nave de missão em silêncio. Não sabia dizer ainda se isso era bom. 

Sentindo o couro macio da cadeira de comando entendi o porque de Lailara dizer que havia um certo conforto desprazeroso em estar naquela posição. Eu achava que tinha relação com o peso do comando. Não. Tinha algo ligado com poder. Eu era a capitã do meu destino, eu tinha um dever com minha missão, comigo como profissional, pessoa; uma âncora me impedia de prosseguir a jornada. Eu não completaria a minha missão. Um planeta continuaria intocável e desconhecido por nós. Uma raça, talvez precisando de nossos recursos continuará sem esperanças. Não sobreviver ao mal desconhecido assolando os corpos dos meus amigos, da minha família não parecia um fim ruim. Eu me encontraria com eles em algum lugar em um universo não conhecido. Não seria um fim ruim se eu não tivesse ainda uma última missão. 

O som rasgando de uma intercepção sobressaltou-me da poltrona. Eu não escutava esse som a tanto tempo que, não me recordava como ele me causava um estranho arrepio de descobertas. Naquele instante eu sentia mesmo um assombro. Não sabia o que encontraria do outro lado e não ansiava por descobrir. Apertei o botão conectando nossas linhas de comunicação incapaz de saber qual era o canal. O silêncio me recepcionou.

— Tem alguém na linha? — Minutos passaram, talvez horas. 

A estática penetrou minha audição, sabia que era ouvida e não era da base central. Era límpida, próxima. 

— Eu posso ter as suas especificações? De qual quadrante você fala? — Eu podia escutar sua linha, mas o silêncio era por escolha ou por não conseguirem responder. — Me dê um sinal se você pode me ouvir, mas não conseguem me escutar.

Um apito irrompeu a estática e retornou penetrando minha audição com uma leveza ansiada.

— Preciso de um suporte para retorno a base central, como também, médicos para cuidar dos doentes e testar a patogêneses da bactéria. Quanto tempo você pode levar para chegar? 

— Nós estamos a um quadrante de distância. Em um salto chegamos em alguns minutos ao seu encontro, comandante Lisbeth, eu presumo. — A suavidade daquela voz trouxe uma sensação de conforto. Era uma mulher, pela sonoridade, madura. 

— Sim, sou eu. Prazer. — Comprimi um sorriso. — É muito bom falar com alguém. Com quem eu estou falando? 

— Vac. — Suas palavras pareceram sussurrar próximo ao meu ouvido. Isso não podia ser real. Ele estava morto. — Você está muito tempo sozinha.

Mesmo assim sua presença parecia encontrar-se entre os vivos.

— Muito. Eu tinha até me esquecido como era interagir com alguém. — Ri sentindo meu peito se encher com aquela sensação de conforto estranhamente encontrar morada em seu peito. Aquilo era uma ilusão. Era paranoia provocada pelo vírus, provavelmente. Ela não resistiria por muito tempo. Por que não usufruir daquela seu último contato entre os seus. 

— Não se preocupe, Lisbeth. Nós iremos te resgatar e te ajudar. — Havia algo de desgostoso na sua colocação. A singularidade. 

— Sua nave tem uma equipe de médicos para ajudar meus amigos?

— Eu sinto em dizer-lhe que é tarde para todos os seus amigos. — Eu esperava por isso, e o nó em minha garganta me mostrou as camadas desconhecidas em mim. — Deveria ser tarde demais para você também, entretanto, você é a exceção.

Distanciei meus olhos do painel sentindo minha garganta secar pelo frio do desconhecido penetrando minha pele. Uma luz cegante penetrou o painel central da cabine tornando minha visão turva. Proveniente da frente da nave que se encontrava escondida na penumbra da galáxia, e lentamente ganhava forma diante dos meus olhos. Uma nave verde petróleo de dimensão além dos vinte zeros com canhões de tiros à mostra, centenas de janelas, painéis de um material grosseiro, porém parecendo resistente e imponente como nada que eu vira antes. Diante agora dos meus olhos, eu me questionava, aqueles dentro daquele lar móvel desconhecido observar-me perecer em medo e angústia, por quanto tempo? De todas as questões, eu tinha uma resposta: eles me responderam agora, pois havia algo na minha sobrevivência que despertou neles o que em mim queimava quando eu olhava do meu lar, a terra, para o céu: a curiosidade de descobrir o que vivia nas penumbras, de descobrir o que as estrelas tinham a revelar e dividir comigo. 

Aquilo não era uma ilusão.
Era tão real quanto às estrelas seduzindo-a para serem desbravadas por ela.
Aquele não era Vac buscando libertá-la da sua vida mundana.
Era outro alguém.
— Quem é você? — O tremor em minha voz não revelava só o meu temor, mas também a excitação dominando minha pele, quem eu era.

— Você terá que vir até mim para descobrir. — Toda a animosidade transformou-se em palavras afiadas como adagas do ferro de fio mais talhante e ácido.

A comunicação foi cortada rispidamente.

Palavras não salvariam os necessitados. Palavras me trouxeram para esse momento. Ações me levariam ao desconhecido.

Como naquela noite com os meus oito anos, eu me descobri hipnotizada pela presença desconhecida daquela força. Não foram as estrelas que me levaram ao desconhecido. Foi a minha escolha.

Havia tanto a desvendar e eu escolhia sobreviver para desfrutar tudo o que as minhas escolhas tinham a me oferecer.

O limite era além das estrelas. 


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