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Sobre ... Crianças desbravando o Universo Literário: Quando incentivar, quando moldar?

Por Bárbara Sobral •
terça-feira, 26 de agosto de 2014


Adoro viver momentos simples do cotidiano que, se prestarmos bem atenção, tem um forte significado.
Para quem não sabe, eu trabalhei como professora na Sala de Leitura de um colégio, uma matéria a parte na grade escolar, que não valia nota, mas que incentivava os alunos a lerem e escreverem a partir de n tipos de textos (entre outras atividades que envolvem artes).
Incentivar a leitura para crianças e jovens sempre foi um grande prazer para mim.
Não trabalho mais lá, entretanto continuo, sempre que posso, incentivando quem quer que cruze o meu caminho a lerem de gibis a livros a partir de suas idades e gostos. 


Hoje fui surpreendida. Estava em uma livraria que sempre frequento, caçando qualquer livro que completasse a minha alma e um menininho veio até mim com aquela espontaneidade infantil e perguntou: Menina, essa estante é de livros de adultos? Olhei bem para a estante a procura de algo para ele, que deveria ter entre 8, 10 anos,  mas ele estava certo na questão: Não, aqui só tem livros para pessoas como eu, já avançadas na vida. Mas olha, ali e ali, é especialmente para você; Ele olhou e concordou meio decepcionado, como se aquela ladainha ele conhecesse - e já estava cansado dela: É, eu sei. Olhei para ele e vi uma faisquinha de Bárbara naqueles olhos hiperativos. Ele estava cansado de ler o mesmo tipo de história. Queria desbravar o mundo fantástico, então me lembrei do meu primeiro fascínio quando criança: livros de suspense e terror, principalmente R.L Stine. Vi uma coleção de suspense ali perto e falei: Você tem cara que gosta de livro de suspense, o que você acha desses? Na hora, ele se animou. Ah, você gosta de terror? Aproveitei a sua animação, engatando na questão. Claro que gosto!, ele exclamou, como se fossemos antigos amigos, então mostrei para ele um dos livros na minha mão, 'O admirador secreto' de R.L Stine. Esse daqui é ótimo, é ideal para você. Indiquei despretensiosa e a sua resposta não poderia ter sido mais adorável: Eu quero esse, onde ele está? O levei até o lugar daquele livro, no caminho ele falou da minha bolsa do Jake do 'Hora de Aventura' todo encantado. Sim, tenho 24 anos, mas ajo como se tivesse 12. Apontei para ele o livro. O último da fileira. Ele pegou com um olhar apaixonado, encantado pela sua descoberta. Então, sua mãe o chamou, exasperada, sem muita paciência ou talvez preocupada por ver o filho falando com uma estranha, o que é compreensivo para os tempos atuais, quem vê cara não vê coração, mas sinceramente, não me incomodei, como o garotinho que estava encantado com seu livro.

Tudo bem. Continuei minhas compras com a minha amiga, mas não pude deixar de ouvir o menino contando a mãe que havia encontrado o livro que queria, o mostrando com aquela felicidade completa de criança.
Como não sorri com uma cena como essa? Sabe o que a mãe disse? Esse? Não, esse não. Olha esse aqui sobre tal coisa. Choquei. Não tenho filhos, mas JAMAIS eu negaria ao meu filho um livro que despertou seu interesse. Eu leria a sinopse, analisaria o livro e o compraria caso fosse adequado, mas não, a senhora sem paciência simplesmente ignorou a alegria do filho e empurrou para ele um livro para uma criança de 3 anos. O menino insistiu e a mãe tentou outro livro para uma criança na casa dos 5 anos. Olha, isso continuou por longos minutos, o que me deu orgulho do menino. Ele era um dos meus, não desistia fácil dos seus desejos! Até um ponto, que visivelmente sem paciência com o filho, a mãe disse: Escolhe o que você quer, Davi (vamos fingir que o nome dele é Davi) e vamos embora que não estou com tempo.
Fiquei frustrada novamente.
Como uma mãe não tem tempo para fazer um agrado a seu filho? Como uma mãe não fica feliz em ver seu filho completo com um simples livro? Não sei. Só sei que isso me doeu, por Davi e me fez sentir a antiga criança mais sortuda do mundo. Minha mãe sempre incentivou cada sorriso meu.

Não sei se Davi escolheu o livro que indiquei, só sei que eu estava lá, focada nas minhas escolhas quando ouvi aquela voz jovial e cheia de felicidade: Tchau, amiga. Obrigado! Fiz tão pouco, mas ele me fez sentir que eu havia feito uma grande mudança em seu mundo. Fiquei com a alma preenchida. Me despedi sorridente, desejando a ele uma boa leitura. Ele voltou a me agradecer com aquele amiga animado. A mãe o chamou novamente, ríspida, e ele, sem se importar nem um pouquinho, foi correndo até ela e partiu com seu novo livro. 


Fiquei tão feliz em ver uma criança tão animada por ler um livro, mas tão triste por ver uma mãe, que mesmo incentivando essa vontade do filho, se mostrava tão despreparada para lidar com ele, com seu futuro como leitor - e com estranhos.

Vamos por partes: Não tiro dela o direito de ficar preocupada com uma estranha de 1.75 com cara de 18 anos usando uma bolsa de um desenho animado conversando com seu filho, mas era tudo questão de se aproximar de mim, escutar o que seu filho dizia e falar comigo para entender como a conversa iniciou e do que se tratava. Mas, o que realmente me magoou foi o fato que a mãe não escutou o filho.


Os livros do R.L Stine são direcionados ao público infantil e jovem. Veja bem não estou dizendo que ela deva saber dessa informação, entretanto bastava uma leitura rápida da sinopse para saber que não havia nada de nocivo na leitura daquele livro.
Outra coisa e um conselho: Se você acredita que determinada leitura ainda é avançada para seu filho\sobrinho\irmão\primo\vizinho\whatever, LEIA para ele. ''Ah, tia Barbie! Você fala isso porquê você tem tempo de sobra. Eu não tenho. Eu trabalho, tenho obrigações domésticas, etc." Meu amor, eu também, MAS se eu tivesse um filho, eu reservaria, pelo menos, duas horas do meu tempo TODOS OS DIAS para ler, jogar videogame, verificar suas lições e o que ele quisesse fazer comigo, independente das minhas tarefas. Reprimir a leitura de seu filho só vai torná-lo um leitor estagnado, mais tarde, um inexistente leitor. Por que? Ele vai cansar da mesmice, vai começar a achar que todos os livros são o mesmo tipo de história, e sem a permissão familiar, ele nunca terá a liberdade de tentar avançar em suas leituras. Então a cada novo livro com aquela repetida história, ele vai se cansar até um dia que vai se transformar em uma pilha esquecida em seu quarto, até que ele deixe de ganhar livros com aquele costume esporádico.

Então, caro leitor, incentive a leitura.
SEMPRE.
Não importando o conteúdo.
Fábulas, aventuras, ação, terror, romance, o que seja.
O que importa é o jovem ler.

Ele quer ler um livro de terror, mas não é da sua idade? O acompanhe na leitura. O aconselhe a ler um livro semelhante, mas jamais o reprima ou tente mudar a leitura dele para algo que não tem nada haver com aquilo que ele quer. Ele quer um livro muito avançado para a sua idade? Indique um livro semelhante ou explique a ele que aquela leitura é muito acelerada para ele (por exemplo, no caso de um livro erótico).
Não acredito em faixa etária para livros. Cada um tem uma determinada maturidade literária. Eu, por exemplo, li 'Orgulho & Preconceito' de Jane Austen com 11 anos, 'O Fantasma da Ópera' de Gaston Leroux com 13 anos e Harry Potter acompanhou minha adolescência dos 11 aos 16. Livros de conteúdos diversos, linguajares rebuscados e histórias extensamente pesadas para uma adolescente acostumada com livretos de 100 páginas lidos em 3 horas.
Tudo bem, sempre fui precoce, mas isso não quer dizer que outros não sejam.

Óbvio que não vou aconselhar um livro erótico para um pré adolescente, mas se ele quiser ler, o pai não deve reprimi-lo, e sim explicar os motivos para ele não ler ainda aquele conteúdo e dar a ele um romance mais condizente com sua idade. O mesmo seria se um jovem quisesse ler um livro de Platão ou um livro com um linguajar mais rebuscado. Tem certos livros que realmente não rola para determinada faixa etária, mas, e quando o livro é adequado para a idade da criança, mas os pais querem que ele siga com a leitura de um gênero por? Aí, cabe ao pai\mãe perceber que o filho, independente de sua idade, precisa desbravar novos gêneros, escolher novas estradas por conta própria e que, aos poucos, ele vai se tornar apenas um auxiliar nesse navio e que seu filho está se preparando para se tornar o capitão do seu mundo literário.

Eu espero do fundo do meu coração que Davi - e outros Davi's - consiga mostrar isso aos seus pais e que um dia, ele se lembre daquela garota que indicou um livro do R.L Stine, que desbravou a minha adolescência na sua idade e, que, eu espero esperançosamente, que regue seus dias cheios de aventura e ação.  



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